segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

A Máscara



Olho-me ao espelho:
- O reflexo que vi ontem aparenta o mesmo aspeto de hoje.
No entanto há fotografias em casa, de há muitos anos atrás e, embora me reconheça por ter existido, a figura impressa revela uma outra que já existiu.
Na aparência que se transformou, não existe no íntimo mutações intransponíveis. Sei que sou esse, sem mistérios ou transmutações. Eu, quando era, quando fui e enquanto sou.
Nos embates diários da vida, teria sido aquela imagem estagnada em papel, sempre a mesma?
Procuro-me no tempo e descubro que assumi outras faces, outros retratos, outros esgares, outras posturas de olhos e semblantes, de acordo com predisposições, embates, discursos, encontros fortuitos, entrevistas, conquistas de amor, perdas com dor ou sem ela, paternidades de educação e insolvências de querer ser aquilo que não sou.
Máscaras!
Apenas máscaras que se desdobram no quotidiano das coisas sem valor e dos acontecimentos que temos de valorizar.
Assumo as consequências de sobrolho franzido, quando o orgulho não me permite voltar atrás.
Arqueio sobrancelhas interrogativas, quando não existe uma resposta que me elucide.
Arregalo os olhos, quando a dúvida se instala e instiga a uma débil e não fundamentada afirmação.
Mostro dentes de raiva, quando me ofendem sem razão.
Os olhos saltam das órbitas e a boca abre-se de estupor, quando a agressividade me atinge.
...Tanta máscara em tão pouco rosto!...
Tantos rostos diferentes numa cara só!
É a máscara!
Que usamos sem darmos conta no quotidiano absurdo que se instala no espírito.
Nas tragédias que não são gregas, nas comédias que não são carnavais.
É a máscara da origem do ser!
Da cosmogonia que pretendemos alcançar!
Máscara que sou eu sem saberes se és tu!
Interrogativamente efémera e sem explicação.
Catarse de alma e catalepsia de estar.
Máscara de todos os dias, que um carnaval não explica, pela simples e mera razão de se usar uma máscara que não é a nossa!

Fernando Magalhães

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