sexta-feira, 14 de junho de 2013

Demissão de adulto

Perante a sociedade, e de acordo com os direitos desconstituídos que me assistem, apresento formalmente o meu pedido de demissão de adulto.
A bem da Nação e de um estado hieraticamente estabelecido, decidi que pretendo regredir no tempo físico e voltar a auferir das responsabilidades e ideias de uma criança de dez anos, no máximo!
PRETENDO ACREDITAR que este mundo é justo e todas as pessoas são honestas e puras.
que os políticos só pretendem o nosso bem e o bem estar social.
que a Troika vem salvar a vida das famílias sem emprego e que passam fome e que o FMI é o Futuro Marcado para a Independência.
QUERO de novo acreditar que tudo é possível, até os sonhos!
que a vida é espantosamente simples de viver e sem complexidades acrescidas.
QUERO apreciar todas as maravilhas da Natureza, sem poluição e sem guerras.
NÃO QUERO mais ver telejornais fatalistas, programas de televisão que são um atentado à inteligência, aos valores morais e à dignidade do mais comum dos seres humanos.
NÃO QUERO fazer contas ao ordenado que ganho e que faço esticar como elástico que rebenta até ao próximo mês.
NÃO QUERO dar valor material às coisas e saber que só com euros as posso ter.
prefiro as moedas de chocolate que me dão prazer ao comê-las e que, com o papel metalizado que as envolve, ainda consigo criar novas formas de construir e brincar.
NÃO QUERO mais dizer um adeus condolente aos amigos que partem e que com eles transportam uma parte da minha vida.
QUERO que a única competição se resuma a um jogo de futebol, onde a alegria de ganhar, ou a tristeza de perder, se transforme num novo jogo de amigos no dia seguinte.
QUERO chapinhar na lama.
QUERO sentir as flores crescerem.
sentir a sombra das árvores,
roubar as maçãs ao vizinho,
trepar muros de aventura,
jogar aos polícias e ladrões, aos índios e aos cowboys, às casinhas e aos médicos,
construir castelos de areia e castelos no ar,
olhar as nuvens e descobrir formas de animais, de gigantes e de naves espaciais.
QUERO saltar de rocha em rocha junto ao riacho.
atirar rasante uma pedra na água e ver quantas vezes ela saltita na superfície antes de se afundar.
QUERO ver amadurecer as primeiras amoras, as primeiras uvas, as primeiras laranjas e prová-las, deixando escorrer o sumo que me suja a roupa.
QUERO voltar a sentir que as chicletes, os gelados e as gomas são os melhores sabores do mundo.
QUERO construir um papagaio de papel e vê-lo voar recortando o céu.
QUERO voltar ao passado em que se é feliz, porque a maldade dos adultos não existe e a ignorância das coisas não nos preocupa ou fere.
QUERO de novo acreditar no poder dos sorrisos e dos abraços, dos beijos e dos mimos, das palavras gentis, da verdade, da justiça, da paz, do amor, dos sonhos e da imaginação.
QUERO sentir tudo de novo, sem artifícios ou mentiras, sem falsidades ou promessas incumpridas…

E para aqueles que, de moto próprio, fizeram o sagrado voto material do esquecimento, ainda quero pensar que toda a infância vale muito mais que o dinheiro.
Demite-te de ser adulto!
Liberta-te da prisão de uma vida agonizante e aborrecida!
O amor é um pássaro verde, num campo azul, no alto da madrugada!”. (Assim escreveu uma criança).

Fernando Magalhães




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