Perante
a sociedade, e de acordo com os direitos desconstituídos que me assistem,
apresento formalmente o meu pedido de demissão de adulto.
A
bem da Nação e de um estado hieraticamente estabelecido, decidi que pretendo
regredir no tempo físico e voltar a auferir das responsabilidades e ideias de
uma criança de dez anos, no máximo!
PRETENDO
ACREDITAR que este mundo é justo e todas as pessoas são
honestas e puras.
…que
os políticos só pretendem o nosso bem e o bem estar social.
…que
a Troika vem salvar a vida das famílias sem emprego e que passam fome e que o
FMI é o Futuro Marcado para a Independência.
QUERO
de novo acreditar que tudo é possível, até os sonhos!
…que
a vida é espantosamente simples de viver e sem complexidades acrescidas.
QUERO
apreciar todas as maravilhas da Natureza, sem poluição e sem guerras.
NÃO
QUERO mais ver telejornais fatalistas, programas de
televisão que são um atentado à inteligência, aos valores morais e à dignidade
do mais comum dos seres humanos.
NÃO
QUERO fazer contas ao ordenado que ganho e que faço
esticar como elástico que rebenta até ao próximo mês.
NÃO
QUERO dar valor material às coisas e saber que só com
euros as posso ter.
…prefiro
as moedas de chocolate que me dão prazer ao comê-las e que, com o papel
metalizado que as envolve, ainda consigo criar novas formas de construir e
brincar.
NÃO
QUERO mais dizer um adeus condolente aos amigos que
partem e que com eles transportam uma parte da minha vida.
QUERO
que a única competição se resuma a um jogo de futebol, onde a alegria de
ganhar, ou a tristeza de perder, se transforme num novo jogo de amigos no dia
seguinte.
QUERO
chapinhar na lama.
QUERO
sentir as flores crescerem.
…sentir
a sombra das árvores,
…roubar
as maçãs ao vizinho,
…trepar
muros de aventura,
…jogar
aos polícias e ladrões, aos índios e aos cowboys, às casinhas e aos médicos,
…construir
castelos de areia e castelos no ar,
…olhar
as nuvens e descobrir formas de animais, de gigantes e de naves espaciais.
QUERO
saltar de rocha em rocha junto ao riacho.
…atirar
rasante uma pedra na água e ver quantas vezes ela saltita na superfície antes
de se afundar.
QUERO
ver amadurecer as primeiras amoras, as primeiras uvas, as primeiras laranjas e
prová-las, deixando escorrer o sumo que me suja a roupa.
QUERO
voltar a sentir que as chicletes, os gelados e as gomas são os melhores sabores
do mundo.
QUERO
construir um papagaio de papel e vê-lo voar recortando o céu.
QUERO
voltar ao passado em que se é feliz, porque a maldade dos adultos não existe e
a ignorância das coisas não nos preocupa ou fere.
QUERO de novo acreditar no
poder dos sorrisos e dos abraços, dos beijos e dos mimos, das palavras gentis,
da verdade, da justiça, da paz, do amor, dos sonhos e da imaginação.
QUERO
sentir tudo de novo, sem artifícios ou mentiras, sem falsidades ou promessas
incumpridas…
E
para aqueles que, de moto próprio, fizeram o sagrado voto material do
esquecimento, ainda quero pensar que toda a infância vale muito mais que o
dinheiro.
Demite-te
de ser adulto!
Liberta-te
da prisão de uma vida agonizante e aborrecida!
“O
amor é um pássaro verde, num campo azul, no alto da madrugada!”. (Assim
escreveu uma criança).
Fernando
Magalhães
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