quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

E agora professor? | Fernando Magalhães




E agora professor
o que fazer afinal?
Quando as matérias estão dadas
e as esperanças frustradas
já em período final
E agora professor?
Quando tudo já está visto
e revisto
e sem remédio
quando as contas já estão feitas
e as expectativas desfeitas
e o sucesso falseado?
E agora professor
poderás tu combater
as estruturas caducas
incógnitas 
cegas e frias
colocadas sem dever
no poder que te revolta
O que és tu professor
o pai  o amigo  o irmão
ou apenas sem saberes
Brinquedo da Educação!
E agora professor
o que é avaliar
conjugar raiva com dor
ou educar com o verbo amar?









segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O nascimento de uma colher de pau | Fernando Magalhães



Ainda no ventre da mãe que me protegia como árvore, sorvia a seiva da vida e, feliz, pensava que salvava a Terra. Perdi a noção do tempo feito calendário de consecutivos anos. Nas várias estações que se sucediam, no calor de um verão, nas chuvas e neves de um inverno, nas intempéries que aconteciam, dando conta sem sentir, povoadas de ventos e trovoadas que sacudiam o meu cordão umbilical. Descansei na sombra que ajudava a produzir, nos ninhos de pássaros que abrigava, nos frutos que fabricava e que tão apreciados eram pelos humanos. Fazendo parte de um todo, contribuía com a minha parcela de nada, na imensidão da mãe à qual pertencia. Um dia, um ruído aterrador que alvoroçava aves e animais que tinham construído o seu abrigo na face das minhas folhas e na alma da minha raíz, despertou a floresta.
“O que seria?”, inquiria assustada pelo estrépito que espantava asas e fazia correr pequenos mamíferos sem destino aparente.
O som era intrigante, metálico lancinante, rasgando o silêncio feito dor. Um motor cuspindo fumo, rangendo dentes metálicos, cravou-se nas minhas entranhas, roendo-me a pele, retalhando-me os músculos, artérias, ossos e coração. Sem me dar conta, caí em cima de irmãs que já tinham sucumbido em lamentosos ramos, que se elevavam em derradeira súplica para um céu já tingido de vermelho de sol poente. Fui arrastada e içada para um grande veículo com rodas que ronceiramente me transportou para um enorme e escuro barracão. Acordei com um guincho estrídulo que compassadamente arremetia e por breves momentos cessava, voltando logo de seguida a investir com mais vigor. Espalhavam-se parcelas de troncos e ramos por todo o lado. Fiquei num canto, desmembrada, abatida, sem saber o que iria acontecer.
“Esta serve para o que pretendo, é uma óptima madeira!”, escutei uma voz e, como parcela do que tinha sido uma árvore, fui transportada nas mãos calejadas de um humano.
Deu-me voltas e mais voltas, escavando-me, dando-me uma forma estranha com uma concavidade que se prolongava. No entanto uma sensação de carícia na maneira como era modelada, invadiu a minha alma de madeira e fez-me sentir a paz nostálgica do que tinha sido e do que estava para ser.
“Pronto, és uma bela colher de pau!”, ouvi dizer.
Não tinha consciência do que aquilo significava. O que seria uma colher de pau? Após ter pertencido a uma árvore que vivia numa floresta sem limitações formais, confinada agora a um objeto, deixei-me perder no vazio do sonho de quem não sabe se efetivamente já tinha sido concebido, ou ainda se encontrava preso a conjeturas de poder vir a ser. Mas afinal já era, quando umas pequenas mãos me tocaram e disseram:
“Vou-te transformar na mais bela colher de pau que vai aparecer na Feira Grande de Janeiro!”
E uma voz infantil, cantando, ia dizendo:  
“Tu és tudo que me resta,
para poder semear
uma mágica floresta,
nesta terra de encantar,
Vila do Conde, espraiada
entre pinhais, rio e mar…”