terça-feira, 28 de setembro de 2010

Projectos de Arquitectura 4












Casa Retorta - 2010 - Arq. Francisco Furtado em co-autoria com Arq. Fernando Magalhães

A moradia fica situada em plena zona rural do concelho de Vila do Conde.

Adaptada na sua objectualidade ao terreno, estabelece relações com a envolvente absorvendo através dos seus vãos envidraçados toda a luz natural e paisagem verde ainda existente.

A preocupação de criar um programa humanizado e fluído na sua divisão espacial interna em constante diálogo com o exterior, foi uma premissa constante neste estudo.

OVNI | Conto

Fernando Magalhães - Acrílico s/tela 50x80cm


Uma hora da manhã em tempo de Inverno.

O frio apertava como espartilho de gelo.

Passeava os cães nas dunas de uma praia do litoral norte.

As ondas batidas na areia investiam e retrocediam em cadências de sonoridades enroladas em seixos que arrastadamente se desvaneciam e novamente empurradas estralejavam em fúria varrendo o areal.

A tinta negra do céu espirrava trémulas chamas de estrelas.

Súbita e surdinamente os três cães rafeiros começaram a rosnar fixando as alturas do infinito.

Mandou-os calar sem obedecerem, enquanto um plangente uivo ia crescendo em trio de caninos acirradamente apontados para os astros.

Acompanhando o movimento focalizou uma luz brilhante que se aproximava lentamente.

O aeroporto ficava próximo, mas aquela luz azulnéon não se assemelhava a nenhum avião. Estaria com visões, seria mesmo uma aeronave em queda? Mas não se ouvia nenhum ruído de motor, apenas as ondas do mar!...

E cada vez se aproximava mais, lentamente, tão lenta como folha embalada por aragem de verão.

O silêncio, de tão pesado, feria o rumorejar do mar.

Os cães desapareceram, dunas fora, ganindo.

Pegou no telemóvel e de câmara apontada, fotografou a luz que redonda e ofuscante pairava sentada no ar como olho ciclópico estremunhando a madrugada.

Num estúdio de televisão o entertainer, em horário nobre, tentando vender o sharing de absorção imediatista, perguntou:

- Mas você viu um Ovni?

- Vi!

A orquestra soltou acordes gritantes de metais e percussões, ritmada por corpos femininos de nuante e insinuante movimentação, perante a plateia que aplaudia.

- Não estamos aqui perante uma pessoa qualquer – continuou - temos um contacto de segundo grau! Desculpe, qual é a sua profissão?

- Sou pintor.

- Pinta paredes?

- Não, sou artista plástico, aliás tenho uma técnica única em Portugal…

- Pinta sem tintas? Ah! Ah! Ah!...

- Não, pinto a fogo.

- Isto é fogo, caros telespectadores! Com isqueiro, ou maçarico oxídrico? – e a audiência ria e aplaudia pateticamente.

- Não posso responder, foi uma técnica que aprendi na Suiça com um artista que revolucionou a pintura.

- Mas agora deixemos a pintura e falemos desse objecto voador, tem fotografias dessa nave espacial?

Puxando preguiçosamente de duas fotografias retiradas do bolso, logo foi envolvido pelas câmaras ávidas de imagens que, debruçadas sobre elas, expandiram através da sua retina vidrada, as reproduções em negro fundo estrelado de uma esfera, azul e luzente para todo o país.

O público aplaudirria.

- Já fiz uma pintura desta visão que tive. Era real, isso posso garantir e desde esse dia, já passou mais de um mês, os meus cães nunca mais apareceram…

- Não me diga que foram levados para outra galáxia?...

- Apenas sei que se assustaram, tal como eu e pura e simplesmente nunca mais os vi! Tal como a nave, que silenciosamente desapareceu a uma velocidade incrível na direcção do mar!

- Seria uma nova arma dos americanos: um submarino voador? – E o auditório cacarejava delirantes casquinadas.

- Caro amigo, foi um prazer tê-lo connosco, da próxima vez que cá vier espero que traga consigo um extraterrestre para eu poder entrevistar!

Conduzido por uma escultural assistente, no som confundido da repetitiva música, falsas ovações, displicentes assobios e estrepitosas gargalhadas, foi sombriamente encaminhado para os bastidores.

Na terra, depois de ter aparecido na televisão, conhecidos, amigos e anónimos, cumprimentavam-no, batiam-lhe nas costas, comentando por trás que mais um maluco, ou um lunático a necessitar de urgente tratamento, brotara como erva daninha sem produto químico-social para a exterminar.

Pintando a fogo, perdia-se nas labaredas que os pincéis apagavam ou atiçavam, percorrendo telas e madeiras chamuscadas de intenções que não acertavam no alvo da criatividade.

Numa garagem, à luz de um quente foco que o banhava em suor, fazia escorrer óleos desengordurados de existências perdidas em labirintos cuja saída não encontrava.

Apercebeu-se que um súbito silêncio envolveu o espaço exterior. Uma calma tão artificial que lhe mordeu as entranhas.

Subitamente a luz apagou-se.

Tropeçadamente alcançou o interruptor.

Movimentou-o para cima e para baixo sem resultado.

Um ruído arranhadamente contínuo fez-se ouvir no exterior da porta.

Dirigiu-se para ela enquanto a luz progressivamente ia surgindo.

Puxando o portão basculante viu correr para ele três cães faiscando pêlo azulnéon.


Fernando Magalhães